martes, 14 de abril de 2015


Eduardo Galeano, 

muito obrigado por tudo


by Chronosfer

Por Fernando Rozano
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A morte quando decide ser presente é devastadora. É daquelas certezas que nos aprisiona entre o medo e quando. Sem respostas, seguimos incertos estejamos aqui ou em qualquer lugar. Vamos em permanente exército lutando não contra ela, mas contra os outros flagelos da humanidade como o autoritarismo, a corrupção, a sonegação, a violência, a falta de saúde, o tráfico de drogas, o fundamentalismo, e outros milhões de combates diários. E a cada dia que passa nossos melhores combatentes, aqueles que nos ajudam a compreender a vida, suas diferenças, suas linhas e entrelinhas, seus contextos, suas perspectivas ou falta delas. Os que nos dão discernimento, consciência e dignidade estão nos deixando. Somos a cada instante menos e menores diante desse combate cotidiano, quando a morte colhe homens como Eduardo Galeano. Uma colheita indesejável. Galeano está na vida da América Latina não apenas pelo seu maiúsculo e contundente e fulminante Veias abertas da América Latina, desde os anos 70, anos em que o continente  - e aqui me refiro a minha geração ainda adolescente - é ceifada por sucessivos golpes militares. O gosto amargo da censura, da repressão, da negação da vida por alguns para milhões. Foi através dele que a América passou a ser minha corrente sanguínea. Aqueles anos, que espero jamais retornem, ásperos e infames e injustos, tiveram no uruguaio, a doçura da esperança social, política e cultural. Ainda hoje tentam rasgar seu livro, desqualificando-o. Impossível. Eduardo Galeano é presente. Pude encontra-lo algumas vezes.

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Em uma delas, as fotos atestam, no Fórum Social Mundial de 2005 em Porto Alegre. Junto com José Saramago lotaram o Auditório Araújo Vianna. Hipnotizaram a plateia com as palavras. Com as ideias. Com a consciência. Com o discernimento. Não ficaram na superfície, foram ao fundo. fomos juntos. Crescemos mais. E a tarde daquele mesmo dia, a entrevista coletiva. Repleta de jornalistas. A foto lá de cima mostra a distância que fiquei de Eduardo e de José. O gravador mal capturou as perguntas e respostas. Momento único. De amadurecimento. Muitos anos mais tarde, em Montevidéu, com Inês junto, o encontramos no Expreso Pocitos, dos mais antigos e tradicional café da capital uruguaia. Estava sozinho, xícara de café á frente dos seus olhos. Uma espécie de solidão o acompanhava. Talvez estivesse esperando alguém, um amigo, outro café, um texto, uma taça de vinho. Não sei, nunca soube. Não levantei para conversar com ele. Também não sei a máquina fotográfica. Aquela solidão e aquele olhar falavam. Não poderia interromper. Olhamos e sorrimos. E seguimos pela  Juan Benito Blanco com passos lentos e em silêncio. Ele também falava conosco. O café já esfriava dentro nós quando a rambla de Pocitos mostrava o Rio da Prata tranquilo em suas águas. Ontem, ao ler sobre sua partida a dor chegou. As veias se abriram. As memórias de fogo se abrandaram. E o vazio aumentou tanto que não sei se ainda há espaço para mais perdas. Um homem que também amava o futebol, que instigou a imaginação não apenas dos adultos mas dos jovens, que nutriu esperanças e alimentou consciências havia partido. Do livro II da trilogia Memória do Fogo - As caras e as máscaras, onde conta em pequenas histórias a história das nossas Américas, deixo um texto:

Promessa da América

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O tigre azul romperá o mundo. Outra terra, a que não tem mal, a que não tem morte, vai nascer da aniquilação desta terra. Ela pede que seja assim. Pede a morte, pede o nascimento, esta terra velha e ofendida. Ela está cansadíssima e, de tanto chorar por dentro, ficou cega. Moribunda, atravessa os dias, lixo do tempo e, quando é noite inspira piedade às estrelas. Logo logo, o Pai Primeiro escutará as súplicas do mundo, terra querendo ser outra, e então soltará o tigre azul que dorme debaixo da sua rede. Esperando esse momento, os índios guaranis peregrinam pela terra condenada. - Vocêtem alguma coisa que dizer para nós, colibri? Dançam sem parar, cada vez mais leves, mais voadores, e cantam os cantos sagrados que celebram o próximo nascimento da outra terra. - Lança raios, lança raios, colibri! Buscando o paraíso chegaram até as costas do mar e até o centro da América. Rodaram selvas e serras e rios, perseguindo a terra nova, que será fundada sem velhice nem doença nem nada que interrompa a incessante festa de viver. Os cantos anunciam que o milho crescerá por sua conta e as flechas voarão sozinhas na floresta; não serão necessários o castigo e o perdão, porque não haverá proibição nem culpa.
Meus olhos castanhos se acinzentaram úmidos quando a noite alcançou o meio do Universo. 
Muito obrigado por tudo, Eduardo.


De Turfe Um Pouco

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